A carta de vencedores do Prêmio Nobel a Temer e o descaso para com a Ciência no Brasil

Por Wiler Jr.

Vagando pela Internet na última semana, deparei-me com a notícia de que, no dia 29 de setembro, uma carta escrita e assinada por vencedores do Prêmio Nobel tinha sido enviada ao presidente Michel Temer. Nessa carta, os cientistas expõem sua preocupação para com a situação da ciência no Brasil, citando um corte de investimentos de 44% feito este ano e outro de 15,5% esperado para 2018 e destacando a possibilidade de que o país seja prejudicado por muitos anos por causa dessas decisões.

Pesquisando mais a fundo sobre o assunto, encontrei informações de que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão que financia estudos e pesquisas da ciência nacional, pode ficar sem dinheiro para continuar o pagamento de cerca de 100 mil bolsas de estudantes e pesquisadores, não podendo garantir que vai poder pagar os benefícios até o fim do ano.

Um pouco mais a fundo, descobri que os recursos destinados a bolsas pagas pelo CNPq no país mantiveram-se basicamente constantes até o ano passado. Em 2014, R$ 1,3 bilhão chegou a ser gasto com bolsas no país, valor repetido em 2015 e 2016. Em 2017, até o momento da publicação da notícia citada no link, foram gastos R$ 471,9 milhões. Caso o valor se repita no segundo semestre, o investimento somará cerca de R$ 940 milhões, inferior aos outros anos.

Além disso, de acordo com dados disponíveis no próprio portal do CNPq, o auxílio à pesquisa caiu de R$ 631,6 milhões em 2014 para R$ 2 milhões em 2016. Os recursos para bolsas no exterior passaram de R$ 808,1 milhões em 2014 para R$ 13,6 milhões em 2016, de acordo com dados disponíveis no portal do CNPq.

Descobri, também, de maneira indireta, que o Brasil é um dos únicos países entre as economias relevantes do mundo em que o setor público investe mais em ciência, tecnologia e inovação do que o setor privado. A relevância dessa informação? Quando os países são muito dependentes dos governos na parte de pesquisa e desenvolvimento, geralmente, períodos de recuperação econômica são mais complicados. Em outras palavras, pode-se dizer que parte da velocidade de recuperação da economia do Brasil, no período de crise pelo qual o país está passando, está ligada à falta de investimento na ciência por parte de empresas privadas. Sim, sei que nem todas as empresas brasileiras têm capacidade de fazer esse tipo de investimento; mas vejo, sinceramente, que muitas das grandes empresas que aqui existem não se preocupam em fazê-lo ou pode ser que a falta de investimento público para o desenvolvimento do país não esteja motivando essas empresas a investir. 

Para discutir brevemente esse ponto, parafraseio Carlos Frederico Rocha e Tatiana Roque, professores da UFRJ e diretores da Associação dos Docentes da UFRJ, que explicam que investimentos para pesquisa em ciência básica são feitos com verbas públicas no mundo todo e pesquisas aplicadas ao desenvolvimento de determinados produtos envolvem investimentos públicos e privados. Além disso, deixam claro que países como a Coreia, a China, os Estados Unidos, entre outros, "mostram que o investimento público é condição necessária para o desenvolvimento, inclusive para atrair investimentos privados".


A carta de vencedores do Prêmio Nobel a Temer e o descaso para com a Ciência no Brasil
Porcentagem de investimentos em P&D no mundo. Fonte: Agência Senado.

Com isso, vejo que dependemos estritamente do Estado para desenvolver nosso país e esse órgão corta criticamente os investimentos que podem estimular o que gerará esse desenvolvimento. E como recém-formado e desejoso de fazer uma pós-graduação em uma instituição federal – onde fiz minha graduação –, sinto fortemente o impacto dessas notícias. Pode ser que, na tentativa de conseguir uma bolsa de estudos, eu seja barrado pela falta de recursos para manter o projeto de pesquisa que pretendo desenvolver, por mais importante que ela possa parecer. Ou até mesmo você que está lendo, se já se formou ou está quase formando e pretende se dedicar a desenvolver pesquisas em instituições federais. A falta de recursos pode gerar uma concorrência tão alta para a aquisição de bolsas que aqueles que querem se dedicar completamente aos estudos e não conseguem um suporte financeiro para isso podem perder a motivação e procurar outros caminhos para seguir.

Uma coisa é certa: se até pesquisadores conceituados e influentes de fora do nosso país estão preocupados com o descaso para com a ciência aqui dentro, acredito realmente que a coisa não esteja boa.

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Carta dos pesquisadores vencedores do Prêmio Nobel ao presidente Michel Temer, na íntegra:


"Vossa excelência Presidente Michel Temer,Nós, os abaixo-assinados ganhadores do prêmio Nobel, estamos escrevendo para expressar nossa forte preocupação sobre a situação da Ciência e da Tecnologia no Brasil. O orçamento para pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações sofreu um corte de 44% em 2017 e um novo corte de 15,5% é esperado para 2018. Isso vai prejudicar o país por muitos anos, com o desmantelamento de grupos internacionalmente renomados e uma 'fuga de cérebros' que irá afetar os melhores e jovens cientistas.

Enquanto em outros países a crise econômica levou, às vezes, a cortes orçamentários de 5% a 10% para a Ciência, um corte de mais de 50% é impossível de ser aceito, e irá comprometer seriamente o futuro do país.

Nós sabemos que a situação econômica do Brasil está muito complicada, mas pedimos que reconsidere sua decisão antes que seja tarde demais."

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